Povoado das Terras do Risco | Arrábida | Sesimbra




Reconstituição hipotética do povoado da Idade do Bronze das Terras do Risco
Desenho de Mariana Croft
Na sequência dos trabalhos de prospecção (2007-2009) para a nova Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra, publicada em Setembro de 2009 sob o título O Tempo do Risco (Calado et al., 2009), foi identificado, no vale adjacente à encosta norte da Serra do Risco (Sesimbra), na singular paisagem localmente conhecida por “Terras do Risco” e “Terras do Meio”, um vasto povoado aberto, sem aparentes estruturas amuralhadas ou fossos, ocupando uma área de cerca de 100 hectares, «o que o coloca entre os mais vastos da Europa» (Calado et al., 2009, p. 47). Os materiais de superfície identificados, um pouco por todas as janelas de prospecção permitidas pela densa vegetação arbustiva, muito fragmentados e em relativa abundância, sugeriram uma cronologia relativa correspondente aos finais da Idade do Bronze.

Porém, a singular dimensão do povoado do Risco não foi imediatamente aferida. Em 2007 foi identificado um primeiro núcleo artefactual, denominado de “povoado das Marmitas”, que na verdade representava apenas a ponta de um imprevisível iceberg. Ulteriormente, em 2009, numa fase final das prospecções, dedicada à revisão em áreas de difícil prospectabilidade, e para grande surpresa da equipa, foi sendo revelado, em cada clareira da vegetação, «um povoado de dimensões inauditas, descrevendo um arco de círculo, junto ao monumento da Roça do Casal do Meio (...). O povoado – que, entretanto, passámos a designar por povoado do Risco – estende-se por uma área, mais ou menos contínua, que abrange grosso modo cerca de 100 ha» (ob. cit., p. 29).
O povoado define-se nas vertentes e imediações de um vale fluvio-cársisco (“polje”), de elevada riqueza de solos e aquíferos, dos quais se destaca a ribeira das Marmitas. O acesso ao mar e aos seus recursos era relativamente fácil.
Por agora, os dados tendem a favorecer a centralidade regional do povoado do Risco, atendendo à sua excepcional dimensão, à evidente proximidade do monumento funerário da Roça do Casal do Meio e de outros povoados de altura, dos quais se destaca a intervisibilidade com o Castelo dos Mouros. Na sua envolvente, e em presumível relação, além da Roça do Casal do Meio, registaram-se duas cavidades: a Lapa da Ovelha ou Nazaré (ou ainda, da Cereja, topónimo dado pela equipa – “a Cereja no topo do povoado”), aberta a meia encosta na vertente oriental do vale, acima da Roça do Casal do Meio, numa perspectiva dominante sobre todo o povoado e a escassos metros de um assinalável núcleo artefactual, a merecer, por tudo isto, uma expectável sondagem; e, sobre o mar, na vertente sul da serra do Risco, na cota dos 260 metros da mais elevada arriba calcária da Europa continental, um arrebatador monumento natural – a Lapa da Cova. Os dados da escavação (no prelo), na qual o signatário participou, apontam para uma ocupação ritual – um santuário fenício da 1.ª Idade do Ferro – tendo sido exumados, além de abundantes artefactos de origem mediterrânea (cerâmica de roda, contas de colar, objectos de bronze e ouro), alguma cerâmica manual indígena, de aparente produção local e atribuível ao Bronze Final.


1. Gruta da Ovelha (ou Nazaré)
2. Povoado da Idade do do Bronze
3. Povoado do Neolítico Antigo
4. Povoado do Neolítico Final/Calcolítico
5. Roça do Casal do Meio e outras estruturas circulares
6. Marmitas do Gigante
7. Píncaro (ponto mais elevado da serra do Risco)
8. Lapa da Cova
9. Sumidouro da Brecha

Ainda na envolvente do Risco, e além das referidas cavidades, de assinalar outro incontornável monumento natural – as Marmitas do Gigante. Trata-se de um fenómeno de erosão hídrica causado pelo fluxo da ribeira das Marmitas ao longo de um afloramento calcário que ganhou, assim, formas ímpares. O sítio reveste-se de inegável potencial enquanto santuário natural, bem ao jeito das paisagens de eleição da Idade do Bronze. De referir, por fim, numa cota inferior em relação ao grosso dos vestígios atribuíveis ao Bronze Final, dois núcleos de povoamento que documentaram fragmentos cerâmicos e artefactos líticos de épocas anteriores: um povoado do Neolítico nos Prados do Risco, junto à base sedimentar do vale; e um povoado do Neolítico Final/Calcolítico – povoado dos Ouriços (Calado et al., 2009, p. 99).

«Mas que estatuto atribuir a este estranho povoado? Lugar central de um sistema de povoamento, onde viviam as elites, ou, pelo contrário, um povoado dependente dos povoados de altura, fortificados, como o referido Castelo dos Mouros?» (ob. cit., p. 29). É de admitir, à imagem do modelo de povoamento proposto para o Alentejo Central, que este grande povoado aberto se encontraria associado a um vasto complexo geoestratégico de povoamento, do qual fariam parte outros sítios arqueológicos atribuíveis ao Bronze Final, como os “clássicos” povoados de altura – Castelo dos Mouros, Serra da Cela e Valongo – a par das respectivas necrópoles/santuários da Roça do Casal do Meio, da Lapa do Fumo, da Lapa da Furada e da Gruta do Médico; além de expectáveis outros sítios, ainda por descobrir, estrategicamente implantados ao longo do território da serra da Arrábida. Recorde-se que Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, no contexto do Bronze do Sudoeste, haviam sugerido a hipótese de que «é possível que povoados como os do Pessegueiro e da Quitéria, sem condições de defesa, tenham a sua contrapartida em povoados fortificados do interior, ainda não identificados, onde residiria a classe dirigente» (Silva e Soares, 1981, p. 180). Por agora, os dados tendem a favorecer a centralidade regional do povoado do Risco, atendendo à sua excepcional dimensão, à evidente proximidade e relação com o monumento funerário da Roça do Casal do Meio e à sugestiva proximidade com outros povoados de altura, dos quais se destaca a intervisibilidade com o Castelo dos Mouros.

Há que sublinhar o facto de tratarmos de uma vasta área contida entre o cabo Espichel e Setúbal, entre o Tejo e o Sado, apresentando férteis vales, boas áreas de pastoreio, uma grande diversidade e abundância de recursos cinegéticos, de fácil acesso ao recursos hídricos e marinhos, com algumas baías favoráveis à implantação de eventuais estabelecimentos portuários, além de excelentes condições topográficas de defesa, domínio paisagístico e de protecção das elites locais. Um singular território que poderá ter assumido contornos de “Proto-Estado”, «na semelhança do que acontecia com Micenas, o povo das Guerras de Tróia, e contemporâneo deste povo da Arrábida» (Calado et al., 2009, p. 47).

Contudo, estas favoráveis condições e a excepcionalidade do povoado do Risco têm de ser contrastadas com a informação relativa a outras áreas limítrofes, particularmente com o Alentejo. Não nos podemos esquecer do facto de a Arrábida não apresentar potencial mineiro, importando o cobre e o estanho do Alentejo e das Beiras, respectivamente. Admitindo o metal como principal fonte de poder das emergentes elites do Bronze final, e mesmo descontando a falta de escavações nos sítios identificados, a Arrábida não parece evidenciar actividade metalúrgica, restando-lhe o papel de intermediário comercial nesta cadeia – mineração, metalurgia e comercio. Esta hipótese é reforçada pela sua dominante situação face às preferenciais vias naturais de trânsito inter-regional (entrada e saída de produtos): os estuários do Tejo e do Sado, as respectivas bacias hidrográficas e os festos associados – «claro que nesta equação, importa considerar outros vectores de peso, nomeadamente a importância relativa da foz do Tejo (Olisipo e Almaraz) e da foz do Sado (Setúbal e Alcácer do Sal), mas também de outras instalações litorais como Santa Olaia, a Norte, ou Castro Marim, a Sul. Para além do litoral andaluz, claro» (Calado et al., 2009, p. 30). Em troca, as populações da Arrábida expediam os seus excedentes cerealíferos, «talvez os únicos bens susceptíveis de serem produzidos excedentariamente na Baixa Estremadura» (Cardoso, 2000, p. 67). Por fim, complementarmente aos circuitos trans-regionais, há que recuperar as dinâmicas das grandes rotas: «do chamado Bronze Atlântico, sem esquecer os velhos caminhos do Mediterrâneo» (Calado et al., 2009, p. 29).

Em suma, e tendo em conta a informação disponível à data – uma topografia de implantação de cota baixa, sem aproveitamento de condições naturais de defesa, e não revelando, aparentemente, qualquer tipo de estrutura defensiva; uma excepcional dimensão, sem paralelos conhecidos no contexto peninsular, não se traduzindo numa boa densidade de materiais de superfície, pelo contrario, adivinhando-se mesmo estratigrafias “magras” – tudo parece sugerir um grande povoado de curta duração, «feitas todas as contas, esta é, neste momento, a leitura que nos parece mais apropriada» (ob. cit., p. 29).
A aparente curta duração do povoado do Risco e a pouco expressiva ocupação dos inícios da Idade do Ferro, poderá explicar-se pela profunda reorganização de um modelo de povoamento, face aos novos impulsos sociais, culturais e políticos aportados do Mediterrâneo, à imagem do verificado no Alentejo Central – os grandes povoados eriçados na paisagem foram abandonados, na sua maioria, dispersando-se as populações por pequenos “casais agrícolas”, sem preocupações defensivas, numa aparente antecipação da Pax Romana, faltando, «porém, determinar os mecanismos de coesão desse novo modelo de povoamento que, aliás, prosperou e floresceu durante alguns séculos» (ob. cit., p. 30).

Roça do Casal do Meio

Marmitas do Gigante


Serra do Risco



O Bronze Final na Região da Serra da Arrábida
(Setúbal/Sesimbra)
o Estado da Investigação e os Novos Dados
as Paisagens, as Grutas-Santuário, o Porto(inho) da Arrábida
e outros aspectos
(no prelo)
Ricardo Soares
(2012)
Dissertação de Mestrado em Arqueologia
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Bibliografia:
CALADO, M.; GONÇALVES, L.; FRANCISCO, R.; ALVIM, P.; ROCHA, L.; FERNANDES, R. (2009) – O Tempo do Risco. Carta Arqueológica de Sesimbra. Sesimbra. Câmara Municipal.


CARDOSO, J. L. (2000) – Na Arrábida, do Neolítico Antigo ao Bronze Final. Actas do Encontro sobre Arqueologia da Arrábida. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia [Trabalhos de Arqueologia, 14], p. 45-70.
SILVA, C. T.; SOARES, J. (1981) – Pré-História da Área de Sines. Trabalhos arqueológicos de 1972 a 1977. Lisboa, Gabinete da Área de Sines.

Menir do Padrão | Vila do Bispo

Conjunto de 15 menires que fariam parte de um expressivo recinto megalítico (vulgo “cromeleque”), em parte destruído pela construção da estrada 1257, que partindo da Raposeira “desagua” na Praia da Ingrina. Constituindo uma das maiores concentrações de menires de todo o Algarve, criteriosamente espalhados pelas cristas de algumas elevações do terreno, alguns dos monólitos apresentam vestígios de decoração. Alvo de trabalhos de escavação em 1984 e 1988, dirigidos por Mário Varela Gomes, o “Menir do Padrão” apresenta-se naquelas paisagens como o mais representativo e melhor conservado exemplar identificado. 

Menires de Milrei | Vila do Bispo

Junto ao marco geodésico de Milrei (Vila do Bispo) foi disposto um conjunto de 21 menires, alguns com vestígios de decoração (covinhas e cordões de elipses em relevo).