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Castelinho de Lucefecit

Alandroal | Terena | Nossa Senhora da Conceição

Povoado fortificado, de dimensões exíguas (inferior a 0,5 ha), implantado num imponente esporão rochoso dominante sobre a margem esquerda da Ribeira de Lucefecit. Ainda que cercado por elevações de maior altitude, a defensibilidade natural é bastante elevada, excepto pelo lado SE, onde ainda são visíveis alguns troços de muralha em xisto.

A área de implantação disponível é diminuta e delimitada por aguçados afloramentos xistosos. Na extremidade mais próxima do único ponto de acesso ao local, ergue-se uma escombreira, muito afectada por uma enorme vala de destruição, no interior da qual são visíveis muros de xisto. Um muro encerra o acesso, a partir do exterior, à pequena plataforma onde se desenvolveria a ocupação, aumentando a já exemplar defensabilidade do local.

Os materiais são escassos, tendo sido recolhida cerâmica manual e de roda, vários fragmentos de parede de ânforas, de produção bética, elementos de mós manuais de "vaivém", um cossoiro e uma fíbula de bronze. O material de construção é praticamente ausente, tendo sido apenas identificada uma tegula. Os fragmentos de escória são bastante frequentes, principalmente na encosta Sul.

Numa recente visita ao local tivemos a oportunidade de observar, na encosta poente do esporão, uma expressiva concentração de fragmentos cerâmicos, designadamente exemplares estampilhados e um cossoiro.
O esporão é coroado por um curioso afloramento em “V” (o “vértice” do assentamento), apresentando um sugestivo conjunto de gravuras de época recente, que nos remetem para um legado de lendas sobre uma moura encantada associada ao local. A linguagem (porno)gráfica poderá ter encontrado suporte na natureza da própria protuberância geológica que, além da forma em "V", apresenta uma "brecha" para a imaginação!
Fontes:

Carta Arqueológica do Alandroal 
(Calado, M., 1993, p, 61)

Rocha da Mina

Alandroal | Terena | São Pedro

Santuário da Idade do Ferro, "talhado" num expressivo esporão xistoso de vertentes abruptas, com cerca de 12 metros de altura. O rochedo impõe-se altivo na Ribeira de Lucefecit, obrigando-a a contornar a sua dureza, produzindo um meandro a caminho do Guadiana. Na estrutura geológica foram talhados degraus, construídos muros e organizados pavimentos, elementos recorrentes em santuários pré-romanos, alguns dos quais romanizados, sendo comummente interpretados enquanto altares destinados a sacrifícios.

Presumivelmente, o "rochedo (con)sagrado" da Mina terá sido palco de cultos dedicados ao deus pré-romano Endovellicus. Em época romana, esta divindade indígena acaba por integrar o panteão dos deuses hispânicos, concorrendo em importância com o próprio Iupiter. Um dos indícios desta inversa aculturação encontra-se no cume do outeiro de São Miguel da Mota, a cerca de 3 km da Rocha da Mina, onde terá sido edificado um templo romano, em mármore branco, no qual os romanos (e os indígenas romanizados) cultuaram o deus local Endovélico, num verdadeiro fenómeno de "transladação" do culto de um santuário natural para um santuário construído.



No período estival de 2011-2012, o arqueossítio foi alvo de escavações dirigidas pelo arqueólogo Rui Mataloto. Os trabalhos têm vindo a revelar uma área habitacional na plataforma inferior, junto do santuário, com cinco compartimentos estruturados entre si e delimitados, a nascente, pela presença de um afloramento rochoso e/ou de uma muralha. Na plataforma superior (no santuário propriamente dito) escavou-se os restos de estratigrafia existentes sobre a rocha e o interior do "poço". Os vestígios de ocupação remetem para cronologias da 1.ª e 2.ª Idade do Ferro e do Período Romano Republicano. O conjunto artefactual permitiu ainda atestar a absoluta contemporaneidade entre as ocupações documentadas em ambas as plataformas. 

Recorde-se que em 1995 o sítio recebeu as primeiras sondagens arqueológicas dirigidas por Manuel Calado, intervenção que permitiu identificar a zona de carácter habitacional, complementar à área especificamente ritual do santuário. 

Santuário de São Miguel da Mota

Alandroal Nossa Sr.ª da Conceição

Visita guiada pelo Professor Manuel Calado e pelo Professor Moisés Espírito Santo,
no âmbito do 1.º Congresso Internacional 'Santuários'
Alandroal, 12 de Setembro de 2014
Classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1997, processo que define a zona de afectação como “non aedificandi”, este arqueossítio localiza-se num outeiro sobreelevado, perto da ribeira de Lucefecit, tendo sido alvo, desde finais do século XIX, de algumas intervenções arqueológicas que permitiram a recolha de mais de oito centenas de epígrafes latinas e estatuária votiva, entre as ruínas da ermida de São Miguel, cuja planta foi levantada por Gabriel Pereira, em 1889, e os vestígios das estruturas do santuário, cuja fundação está atribuída à primeira centúria da nossa era.

Aparentemente, do santuário apenas restou uma plataforma quadrangular, permanecendo no local vestígios de fragmentos e artefactos marmóreos, sendo que um estudo recente (2002) aponta para uma sobreposição construtiva entre os dois monumentos, com reutilização na ermida dos elementos construtivos/arquitectónicos pertencentes ao santuário. A área circundante aparenta estruturar-se em plataformas, onde foram recuperados materiais cerâmicos consentâneos com uma ocupação romana exclusiva do espaço, estando ausente espólio da Idade do Ferro e autóctone, constatação que refuta a tese de um culto pré- existente.

As últimas investigações topográficas e arqueológicas efectuadas por Amílcar Guerra, Thomas Schattner, Carlos Fabião e Rui Almeida, iniciadas em 2002, no âmbito de um projecto de investigação, permitiram confirmar as observações publicadas por Manuel Calado, em 1993, e confrontar alguns dos pressupostos avançados por Leite de Vasconcelos, a quem se devem os primeiros trabalhos arqueológicos no local, destacando-se o abundante acervo epigráfico e escultórico recolhido em 1890 e nas intervenções posteriores.

A escavação recentemente efectuada permitiu reconhecer que o objectivo a que se propunha Leite de Vasconcelos implicara a demolição da ermida cristã, de forma a recolher todos os elementos nela reaproveitados provenientes do santuário, embora não tenham sido atingidos alguns alicerces, onde os trabalhos recentes vieram a detectar sepulturas, estatuária e aras votivas epigrafadas dedicadas a Endovélico.

Ainda assim, a quantidade de informação fornecida sobretudo pelo acervo epigráfico permite-nos percepcionar a abrangência da divindade e contextualizar o culto. Quanto ao primeiro ponto, os estudos efectuados apontam para uma divindade latina, tradicionalmente relacionada com a presença de uma fonte ou fontes que brotariam no santuário, onde existiria um corpo sacerdotal e funcionários dedicados a receber os ofertantes e a proceder aos sacrifícios e rituais; por outro lado, trata-se de um deus tutelar, vocacionado para atender os pedidos dos seus fiéis, conforme atestam as fórmulas e relevos simbólicos expressos nos registos ali deixados.

José Cardim Ribeiro, no seu texto publicado no extenso catálogo da exposição Religiões da Lusitânia (Ribeiro, 2002, p. 79-90) resume o carácter poderoso desta divindade, praesentissimi et praestantissimi numinis, expressão que Sextus Cocceius Craterus Honorinus, eques romanus utilizou para qualificar o deus.

É portanto uniformemente reconhecida a necessidade de dar continuidade às investigações sobre o santuário de Endovélico, património de excepção que ultrapassa consideravelmente as evidências de qualquer outra divindade “indígena” nas províncias europeias (Encarnação, 1984, p. 801).


Referências bibliográficas

CALADO, M. (1993) - Carta Arqueológica do Alandroal, Alandroal.
ENCARNAÇÃO, J. d’ (1984) - Inscrições Romanas do Conventus Pacensis, Coimbra.
GUERRA, A. et al. (2003) - Novas investigações no santuário de Endovélico (S. Miguel da Mota, Alandroal): a campanha de 2002. Revista Portuguesa de Arqueologia, 6, nº 2, Lisboa, p. 415-479.
PEREIRA, G. (1889) - O Santuário de Endovélico. Revista Archeologica, III (9-10), Lisboa, p. 145-149.
RIBEIRO, J. C. (2002) - Endovellicvs. Religiões da Lusitânia, Loquuntur Saxa, M.N.A., Lisboa, p. 79-90.
VASCONCELOS, J. L. (1890) - O Deus Lusitano Endovélico, I notícia sucinta, Dia, reproduzida em Opúsculos, V, Imprensa Nacional, Lisboa, p. 197-206.




Endovellicvs

«Cabeça de homem barbado onde sobressaem os olhos abertos de forma amendoada, a boca fechada de lábios finos, o cabelo em madeixas cobrindo parte da testa e tapando parcialmente as orelhas. O nariz e a porção inferior da barba estão mutilados. A concepção iconográfica de escultura, realizada segundo modelos clássicos, patente nomeadamente na majestade da cabeça e na sua expressão de bondade, levaram a maioria dos autores a interpretá-la como representação de Endovélico, divindade indígena cultuada em S. Miguel da Mota. No período romano, Endovélico, protector da saúde, foi identificado provavelmente com Serápis ou Esculápio, deuses salutíferos do panteão clássico. O seu culto está atestado por numerosas inscrições epigráficas votivas encontradas nas ruínas do outeiro de S. Miguel da Mota, perto de Terena, no concelho de Alandroal (Alentejo). Trata-se de uma divindade tópica, isto é, protectora da região onde a adoravam (numen loci) e cujo culto estava evidentemente circunscrito a ela.»

Ficha do Catálogo de Escultura Romana do MNA, da autoria de José Luís de Matos.

«O que sabemos hoje desta divindade resulta essencialmente de um conjunto de mais de 80 inscrições latinas recolhidas ao longo de quatrocentos anos no local (São Miguel da Mota - n.a.). De facto, a D. Teodósio de Bragança devemos a primeira recolha epigráfica daí proveniente, remontando ao séc. XVI. André de Resende, Frei Bernardo de Brito e mais recentemente Leite de Vasconcellos e Scarlat Lambrino, mas também muitos outros autores estrangeiros ocuparam-se do estudo desta divindade, sem dúvida um caso único no mundo romano, pela quantidade de testemunhos associados a um único santuário.
O Nome apresenta variantes, por vezes significativas - Endovelicus, Endovellicus, Indovelicus, Enobolicus - de significado ainda muito discutido, sendo as suas mais divulgadas interpretações "muito negro" e "muito bom". Referem-se, em conformidade com isso, os seus poderes de divindade tutelar, mas também de natureza ctónica, que poderia igualmente manifestar-se por oráculos, ou infernal.
Apesar da diversidade e abundância dos vestígios que chegaram até nós, é ainda pouco o que sabemos de um culto que atingiu proporções inéditas; por isso se espera que futuros trabalhos venham contribuir para enriquecer o conhecimento a respeito das religiões antigas e de Endovélico em particular .»

Amílcar Guerra in Carta Arqueológica do Alandroal (Calado, M., 1993, p. 61-62)