Mostrar mensagens com a etiqueta Sado. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sado. Mostrar todas as mensagens

Arrábida: episódios da investigação arqueológica regional (do séc. XVIII ao séc. XXI)

SOARES, R. (2014) – Arrábida: episódios da investigação arqueológica regional (do séc. XVIII ao séc. XXI). In Al-Madan Online (ISSN 2182-7265), n.º 19, tomo 1, p. 113-122.

Resumo
Breve síntese da história da investigação arqueológica produzida no território da serra da Arrábida (municípios de Setúbal, Sesimbra e Palmela), desde o século XVIII ao século XXI. O autor destaca também algumas notas biográficas relativas aos seus protagonistas, e introduz anotações bibliográficas a propósito dos textos publicados.
Palavras chave: Arqueologia; História da Arqueologia portuguesa; Análise documental; Arrábida; Sado.

Abstract
Brief summary of the history of archaeological research on the Arrábida mountain range territory (municipal councils of Setúbal, Sesimbra and Palmela), from the 18th to the 21st century. The author also includes biographical notes about those involved and bibliographic notes about the published texts.
Key words: Archaeology; History of Portuguese Archaeology; Document analysis; Arrábida; Sado river.

Résumé
Brève synthèse de l’histoire de la recherche archéologique produite sur le territoire de la Serra da Arrábida (communes de Setúbal, Sesimbra et Palmela), du XVIIIème au XXIème siècle. L’auteur met en avant également certaines notes biographiques en lien avec ses protagonistes, et introduit des annotations bibliographiques au sujet des textes publiés. Mots clés: Archéologie; Histoire de l’Archéologie portugaise; Analyse documentaire; Arrábida; Sado.



Arqueologia em Portugal 150 anos | A Arrábida no Bronze Final - leituras e narrativas




Arqueologia em Portugal 150 anos
A Arrábida no Bronze Final - leituras e narrativas
Ricardo Soares

RESUMO: Análise de questões relacionadas com as estratégias de povoamento, opções de culto, exploração de recursos disponíveis e vias de trânsito trilhadas pelas comunidades que habitaram o território da Serra da Arrábida no decorrer do Bronze Final. Tratandose de um tema escassamente estudado, mas onde já afloravam contextos particularmente sugestivos, entendeuse oportuno avançar com um inédito trabalho de síntese dos dados disponíveis. A hora ainda não permite obter uma perspectiva sincrónica e de “curta duração”, ainda assim, a informação produzida sugere um coerente complexo demográfico, instalado num território específico e individualizado, com algum grau de diferenciação e de ordenamento político-administrativo, insinuando uma forte articulação com as vias de comunicação, muito em especial as fluvio-marítimas.

ABSTRACT: Analysis of issues related to settlement strategies, cult options, exploration of available resources and transit routes threshed by the communities that inhabited the territory of the Arrábida range (Setúbal/Portugal) during the Late Bronze Age. This is a poorly studied subject, but particularly suggestive contexts have arisen, and
it seemed appropriate to bring forward an unprecedented summary of available data. Time does not provide a synchronic and “shorttime” perspective. Still, the information produced suggests a coherent complex demographic, installed in a specific and individualized territory, with some degree of politicaladministrative differentiation, suggesting a strong connection with the communication routes, most markedly the fluvialmarine.

Parabéns e obrigado à 
Associação dos Arqueólogos Portugueses 
pelos seus 
(nossos) 
150 anos

Recursos, vias e trânsito na Arrábida do Bronze Final - a "rota do sal" e a "síndrome do marinheiro"


SOARES, R. (2013) – Recursos, vias e trânsito na Arrábida do Bronze Final - A “rota do sal” e a “síndrome do marinheiro”. In Al-Madan Online (ISSN 2182-7265), n.º 18, tomo 1, p. 45-50.
Resumo
Proposta de interpretação dos recursos e itinerários disponíveis para a circulação de pessoas e de bens no território da Serra da Arrábida (Setúbal), na última fase da Idade do Bronze. Com os dados disponíveis para a zona e para as bacias hidrográficas do Sado e do Tejo, entendeu-se ainda pertinente integrar a questão da salicultura pré-romana na agenda da investigação.
Palavras chave: Idade do Bronze; Serra da Arrábida; Povoamento; Vias; Sal.

Abstract
An interpretation of the available resources and itineraries for the circulation of people
and goods in the Serra da Arrábida (Setúbal) at the end of the Bronze Age. The author presents the data available for the Sado / Tagus River basin area. He also includes in his research and discussion the pre-Roman salt processing theme.
Key words: Bronze age; Serra da Arrábida; Settlement; Roads; Salt.

Résumé
Proposition d’interprétation des recours et itinéraires disponibles pour la circulation des personnes et des biens sur le territoire de la Serra da Arábida (Setúbal), durant la dernière phase de l’Age du Bronze. En plus des données disponibles sur la zone et sur les bassins hydrographiques du Sado et du Tage, on a également jugé judicieux d’intégrer la question de la saliculture préromaine dans l’agenda de la recherche.
Mots clés: Âge du Bronze; Serra da Arrábida; Peuplement; Voies; Sel. 




“[…] Vita humanior sine sale non quit degere:
adeoque necessarium elementum est,
ut transierit intellectus ad voluptates animi quoque.
Nam ista sales appelantur […]” 1
Plínio “o Velho”, Naturalis Historia, Liv. XXXI

1 “[…] Uma vida mais civilizada, não é possível
levá-la sem o sal; é um produto de tal modo necessário
que constituiu uma metáfora até para os prazeres
do espírito. A isso se chama de facto sal […]”.
O texto de Plínio continua da seguinte forma:
“mas também todo o encanto da vida, a alegria plena
e o repouso das canseiras não encontram uma palavra
que os exprima melhor” – amável tradução do
Professor Doutor Amílcar Guerra, enriquecendo-a
com o seguinte comentário: “Enfim, Plínio fala do
valor metafórico da palavra, do «sal da vida»”.

A Arrábida no Bronze Final - a Paisagem e o Homem

Depois de 5 anos a "trabalhar para o Bronze"...


Resumo
Muito genericamente, o presente trabalho pretende produzir uma análise de questões relacionadas com as estratégias de povoamento das comunidades que habitaram o(s) território(s) da Serra da Arrábida no decorrer do período histórico convencionalmente denominado de “Bronze Final”. A investigação focou-se nas áreas da Serra da Arrábida e da Serra do Risco, estendendo-se, para poente, até às serras dos Pinheirinhos e da Azóia, na plataforma do Cabo Espichel, e, para nascente, até à “Pré-Arrábida”, dominante sobre a foz do Sado. Para o efeito, a Arrábida (Península de Setúbal) foi entendida como um território definido e circunscrito, a norte, pelo Tejo, a sul, pelo Sado, e, a oeste, pelo Oceano; um território de charneira entre o Atlântico e o Mediterrâneo, entre o Norte e o Sul, entre o litoral e o interior; um excepcional ponto de convergência de linhas naturais de transitabilidade (terrestres, fluviais e marítimas), reunindo um conjunto de particularidades geográficas que, associadas às suas excelentes condições naturais de defesa, acessibilidade e abrigo de costa, à disponibilidade dos seus recursos hídricos, marinhos e cinegéticos, e fertilidade dos seus vales, proporcionaram um edénico quadro, em termos de fixação humana, e ao longo da história, particularmente no decurso do Bronze Final. Isto, sem contar com a dimensão estética das paisagens da Arrábida, aspecto que talvez não tenha sido indiferente às comunidades que, em épocas antigas por aqui se instalaram. Posto isto, impôs-se estabelecer um “ponto da situação”, a partir da bibliografia produzida até à data, reconhecendo e coligindo os parcos dados disponíveis e apresentando uma resenha histórica da investigação que lhes subjaz. Para um melhor entendimento do período em causa, e complementarmente, procedeu-se, de forma genérica, a um esboço da sua génese e evolução no âmbito da bibliografia arqueológica europeia, destacando-se as principais questões de ordem teórica e metodológica. Neste seguimento, face à escassez de dados regionais, foi inevitável procurar eventuais paralelos e/ou avaliar as diferenças relativamente a modelos de ocupação traçados para outras áreas, com particular atenção para o Sudoeste Peninsular. Tratando-se de um tema muito pouco estudado, mas onde já afloravam contextos arqueológicos particularmente sugestivos (o monumento funerário da Roça do Casal do Meio, o povoado do Castelo dos Mouros e algumas grutas), entendeu-se pois oportuno avançar com um trabalho de síntese, complementado pelas novidades emergentes das cartas arqueológicas de Sesimbra (2007-2009) e de Setúbal (2010-2013), projectos integrados pelo signatário na qualidade de arqueólogo, espeleólogo e fotógrafo, e que têm permitido ampliar significativamente a base de dados relativa a algumas facetas da questão. A hora ainda não nos permite obter uma perspectiva, sincrónica e de “curta duração”, do povoamento na Arrábida ao longo do 2.º e 1.º milénios a.C. Ainda assim, facto é que a Arrábida afigura-se hoje como um interessante “iceberg de Bronze”, no qual se pode descortinar uma florescente e vigorosa cota emersa no horizonte cultural da última fase da Idade do Bronze do Sul da Estremadura. A avaliação global dos dados disponíveis, acerca do povoamento e sobre o território, sugere, por um lado, uma forte articulação com as vias de comunicação marítimas e fluviais e, por outro, a possibilidade de estarmos perante uma unidade política coerente num território específico e individualizado.
Palavras-chave: Arrábida, Sado, Paisagens, Presença Humana, Bronze Final, a Vida e o Sagrado, Santuários Naturais, Navegações, Sal.

Abstract
The object of this work is to analyse some issues regarding the settlement strategies of the communities that once inhabited the territory(-ies) of Serra da Arrábida (Setúbal/Sesimbra, Portugal) during the period in History conventionally called the “Late Bronze Age”. The research work focused on two main areas – Serra da Arrábida and Serra do Risco – but it also extended to the west, covering the areas of Pinheirinhos and Azóia (both elevations located on the plateau of Cabo Espichel), and to the east, covering what is called the “Pre-Arrábida”, overhanging the mouth of river Sado. For the purpose of this work, Arrábida (on the Portuguese peninsula of Setúbal) comprises a well-defined territory, limited to the north by the river Tagus, to the south by the river Sado and to the west by the Atlantic ocean; a strategically placed territory, a frontier between the Atlantic and the Mediterranean, North and South, coastline and inland; an exceptional location where all natural routes converge (land, river and sea). This incredible set of geographical peculiarities, in association with excellent natural means of defence, accessibility and shelter, the abundance of water, fishing and game resources, as well as the fertility of the valleys, constituted a perfect setting for human settlement throughout history, and must have been particularly appealing during the Late Bronze Age. An additional aspect that perhaps did not escape the attention of the communities that chose to settle down in Arrábida in ancient times is the great beauty of this magnificent landscape. In light of all this, it was imperative to establish a “state of the art”, based on the bibliography and data available, in order to collect and acknowledge the scarce information, as well as to make an historical summary of the research work involved. To give a better understanding of that period, this work includes a generic and complementary summary of its genesis and evolution in the scope of European archaeological bibliography, highlighting the main theoretical and methodological issues. Next, and given the scarcity of regional data, it was inevitable to look for possible parallels and/or to evaluate the differences regarding settlement models already established for other areas, particularly for the Southwest of the Iberian Peninsula. Although this subject has not been the object of many studies, several very suggestive archaeological sites have come up, namely, the funerary monument of Roça do Casal do Meio, the settlement at Castelo dos Mouros, and some caves). Therefore, it seemed appropriate to present a summary of these sites, while at the same time complementing it with new data uncovered during the field work done for the archaeological surveys of Sesimbra (2007-2009) and Setúbal (2010-2013), two projects that contributed to increase quite significantly the existing database regarding some of the issues in discussion and in which the author participated as archaeologist, speleologist and photographer. For the time being, it is still not possible to have a synchronic short-term perspective of the settlement in Arrábida throughout the 2nd and 1st millenniums BC. Nevertheless, Arrábida is seen today as an interesting “Bronze iceberg”, a place that holds tremendous promise, because beneath its waterline there seems to be a strong and flourishing source of material which will enrich the cultural horizon of the final period of the Bronze Age. The overall data assessment regarding settlement and territory suggests a strong articulation with communication routes along watercourses or sea, as well as the possible existence of a coherent political unit within a specified and contained territory.
Key words: Arrábida, Sado, Landscapes, Human presence, Late Bronze Age, Life and Sacred, Natural Sanctuaries, Navigation, Salt.

Presentation




Lapa da Cova | Arrábida | Sesimbra



O geomonumento da Lapa da Cova localiza-se na vertente sul da Serra do Risco, em Sesimbra, perto da povoação de Pedreiras, a cerca de 3 km do “epicentro” do povoado do Risco. Apresenta-se na cota dos 260 m da mais elevada arriba calcária da Europa continental. Trata-se de uma cavidade cársica fóssil, constituída por duas salas, abertas em unidades sedimentares do Jurássico Médio (J2 pe) pela suposta combinação da actividade tectónica com a acção hídrica. A cavidade desenvolve-se ao longo de uma diaclase principal, longitudinal à sala de entrada, de orientação aproximada sudeste-noroeste (da entrada para o interior), sendo cruzada por outras diaclases secundárias.


Morfologicamente, e muito genericamente, a Lapa da Cova caracteriza-se por uma galeria principal ascendente, com um irregular desnível do chão com cerca de 10 m, ao longo de cerca de 30 m de profundidade. Tem cerca de 10 m de largura média, 15 m de altura à entrada e 2 m no topo. No topo existe uma plataforma que comunica, à direita, através de uma rampa descendente, com uma pequena galeria apendicular, alvo prioritário da escavação a que foi sujeita. A galeria principal apresenta um desarranjo estrutural, um caos de blocos de grandes dimensões, colmatados, no topo da sala, por “recentes” (na Era geológica) depósitos sedimentares margo-argilosos, fenómeno que também contribui para a difícil interpretação da sua génese geomorfológica. De acrescentar, ainda, a pobreza de fenómenos de concrecionamento.
Em termos ambientais, estamos perante uma cavidade senil e muito seca. À medida que se penetra no seu interior, subindo o seu desnível, a temperatura aumenta e estabiliza gradualmente (+/- 20/22º de temperatura – média anual da envolvente do sítio), enquanto a luz se perde na penumbra, dando lugar à total escuridão no interior da pequena galeria no topo.

O seu microtopónimo é interessante, pelo facto de ser redundante: “Lapa da Cova”. O acesso ao sítio não é fácil, pela sinuosidade, inclinação e vegetação da escarpa onde se localiza, podendo ser feito por baixo, a partir do mar, subindo penosamente pela enseada da Cova/Calhau da Cova (Cabo de Ares); ou por cima, a partir do topo da arriba, por uma rampa natural, ou pela meia encosta poente, aproveitando o ligeiro degrau proporcionado pelo topo de um cone de dejecção.


A manifesta relação desta gruta com o mar merece realce, partindo-se de um conjunto de observações realizadas in loco. Desde logo, o contacto visual com a Cova só é possível a partir do mar – um “grande buraco negro” em fundo calcário claro. Proveniente de sul, qualquer embarcação consegue facilmente vislumbrar o “buraco” da Cova a uma distância considerável, revelando-se, esta, como uma boa referência visual. Na verdade, as embarcações oriundas de sul (designadamente do Mediterrâneo), após dobrarem o Cabo de São Vicente/Sagres, e seguindo uma rota aos 0º (norte), podem, em dias de boa visibilidade, descortinar a silhueta da Arrábida a partir de Sines, na forma de um verdadeiro marco paisagístico para a entrada no estuário do Rio Sado, transversal à linha de costa - ver link. A própria Lapa da Cova é visível a longa distância, o que contribui para a sua natural relevância no horizonte de eventuais “rituais de chegada” – antigos navegantes que agradeceriam o sucesso das suas épicas viagens, gratificando os seus deuses com cultos, oferendas e rituais de comensalidade. Neste sentido, torna-se possível imaginar esta cavidade enquanto “santuário natural de chegada”, nomeadamente para marinheiros fenícios. Ainda a este propósito, será oportuna a referencia ao episódio homérico de Odisseu na Gruta do Ciclope.


A partir de dentro, do seu “altar” no topo, e olhando para o exterior, apenas se avista o azul do mar – “ouro sobre azul!”. Da sua monumental entrada, em “arco gótico”, é possível controlar visualmente a desembocadura do Sado, os recortes do seu estuário e a “ponta” de Abul, sendo praticável algum grau de intercomunicação com este estabelecimento (fogo e fumo). Em dias de excepcional visibilidade, o olhar pode percorrer toda a costa sul, a partir de Tróia, e, no limite do alcance visual, torna-se mesmo possível vislumbrar a Serra de Monchique (a grande referência paisagística para o Promontorium Sacrum).


No que diz respeito à Arqueologia, a sua caracterização foi realizada no contexto dos trabalhos de prospecção para a nova carta arqueológica do concelho de Sesimbra (2007-2009 - Calado et al., 2009). A preliminar interpretação cronológica, apenas baseada em materiais cerâmicos de superfície, acabou por ser corroborada, em Outubro de 2009, pela descoberta ocasional de um brinco de ouro, correspondente a cronologias relativas da 1.ª Idade do Ferro. Neste contexto, e face às recentes notícias de destrutivas actividades detectoristas, foi interposto um pedido de escavação à entidade tutelar (IGESPAR) que, sendo deferido, enquadrou legalmente os trabalhos de limpeza e escavação, iniciados em Janeiro de 2010. Ao abrigo de um protocolo com a Câmara Municipal de Sesimbra, a escavação tem sido dirigida, desde então, pelo Dr. Mário Carvalho, sob a coordenação científica do Professor Doutor Manuel Calado, contando na equipa com o signatário (Ricardo Soares - FLUL), Miguel Amigo (FBAUL) e com o apoio espeleológico de alguns membros do CEAE-LPN (Centro de Estudos e Actividades Especiais da Liga para a Protecção da Natureza), designadamente Rui Francisco. Optou-se por uma equipa reduzida, com experiência e formação espeleológica, tendo em conta as especificidades do sítio e as limitações espaciais e logísticas.

2.º prémio na categoria "Escavações e outros trabalhos de campo
no 1.º Concurso de Fotografia da Associação de Arqueólogos Portugueses
A interpretação das estratigrafias em contexto de gruta constitui, por vezes, um processo particularmente complexo, por estas se apresentarem afectadas por intensos fenómenos de bioturbação. No caso da Lapa da Cova, observou-se uma estratigrafia pouco espessa e bastante perturbada, pelo facto de ter sido intensamente utilizada, em época recente, como curral de caprídeos (facto documentado artefactualmente por objectos de “arte de pastor”) e, até à actualidade, por um “bando” de cabras assilvestradas, além dos habituais pequenos roedores e texugos, amplamente documentados por restos ósseos. Ainda assim, tem sido possível avançar alguns considerandos.


Os dados preliminares da escavação foram, em parte, partilhados no seu blogue (SAFA - Santuários Fenícios da Arrábida), apontando, segundo os responsáveis, para uma ocupação mágico-religiosa no decorrer da 1.ª Idade do Ferro. De salientar o facto de não ter sido identificado qualquer vestígio antropológico durante a escavação, o que remete para uma utilização exclusivamente sagrada enquanto santuário, ficando excluída a hipótese funerária. Acresce o registo, no patamar superior da galeria principal, de um grande depósito de cinzas, insinuando um provável “altar de fogo”, dejectando, em cone, para a pequena sala apendicular, que parece ter servido de espaço de amortização da maior parte dos materiais registados (depósito votivo? restos de rituais de comensalidade?).
Esta atribuição crono-funcional foi documentada por abundantes artefactos de origem mediterrânea: uma boa quantidade de cerâmica a torno, correspondente a um diversificado conjunto de recipientes (cerca de 30/40), na sua maioria contentores (ânfora e pithoi); um cossoiro; cerca de duas centenas de contas de colar (cornalina, pasta vítrea e outras matérias-primas mais residuais – quartzo hialino, olivina e osso); objectos de bronze (uma fíbula muito fragmentada e de difícil caracterização, um botão cónico com duplo apêndice de preensão, um espeto/obelos, uma “mãozinha”, possivelmente proveniente de uma pega de braseira, e dois pequenos presumíveis ponderais); e peças de adorno em ouro (um brinco, uma arrecada e uma pequena conta esférica).


Além destes materiais, na globalidade remetendo para proveniências mediterrâneas, também foram exumados residuais fragmentos de cerâmica manual, de aparente produção local/indígena e atribuíveis ao Bronze Final. No caminho de acesso à cavidade, a partir do mar, também foi registada a ocorrência de alguns fragmentos de cerâmica manual, tal como no acesso poente, a partir da Serra da Achada (nomeadamente um mamilo alongado). Atendendo ao isolamento e dificuldade de acesso ao sítio, talvez não seja de estranhar que os vestígios detectados se limitem exclusivamente à ocupação proto-histórica e à ocupação pastoril, já em época actual ou subactual. Na verdade, considerando o facto de a cavidade apenas poder ser vista do mar, sendo o seu acesso bastante “afoito”, é de admitir que a sua descoberta tenha sido feita por marinheiros.


Relativamente ao supracitado “botão de bronze”, às suas mais (re)correntes interpretações, enquanto acessório de vestuário ou de arreio de cavalo (sublinhando, neste caso concreto, que os seus orifícios não permitem passar tiras de couro), poderá acrescentar-se uma eventual função enquanto ponderal (suspensão pendular?), em associação à ocorrência de dois presumíveis ponderais de bronze no mesmo contexto. Esta possibilidade parte da interpretação dada a objectos em tudo similares, abundantemente registados em Cancho Roano [1] (finais do século VI/inícios do século IV a.C.).


Segundo Manuel Calado [2], tendo em conta que os materiais ainda se encontram em fase de estudo, “a genérica apreciação do conjunto artefactual propõe uma ocupação de razoável diacronia (alguns séculos), iniciada numa fase precoce da colonização fenícia”, considerando, designadamente, a existência de uma ânfora produzida em torno, apresentando uma cozedura redutora e ornatos brunidos, replicando o “gosto” da cerâmica indígena e sugerindo, por isso, um momento antigo do contacto – “santuário de chegada” (no duplo sentido). Porém, também parece claro que o grosso dos materiais exumados se enquadra num âmbito cronológico mais tardio e ajustado ao genérico panorama actualmente estabelecido, designadamente os pithoi e o “botão” metálico, com paralelos dentro dos séculos VI-V a.C. (por exemplo, Celestino Pérez, 2003; Arruda, 1999/2000).
Será neste contexto pertinente referir a eventual relação do “santuário natural” da Cova com o estabelecimento fenício de Abul, fundado ex novo em meados do século VII a.C. (Mayet e Silva, 2000) na margem direita do Sado, a meio caminho entre Setúbal e Alcácer. Trata-se de um edificado com alguns atributos funcionais de ordem sagrada, curiosamente alicerçado sobre um embasamento fundacional de brecha da Arrábida, constituído por peças na sua maioria de textura rolada (Mayet e Silva, 2000, p. 134). Este aspecto é interessante pelo facto de sugerir a recolha deste conglomerado geológico em algumas praias, em determinados pontos de ocorrência da costa da Arrábida – designadamente nas proximidades da Lapa da Cova.

Em suma, além da marcada ocupação durante a Idade do Ferro, será de considerar o conhecimento desta cavidade pelas comunidades indígenas, durante o Bronze Final, tendo em conta a sua proximidade relativamente ao(s) povoado(s) das Terras do Risco e ao monumento funerário da Roça do Casal do Meio. Isto pode implicar, por um lado, uma utilização anterior à Idade do Ferro (muito residualmente manifestada pela ocorrência de escassos fragmentos de cerâmica manual); por outro, durante a ocupação da Idade do Ferro, a provável convivência e partilha deste espaço e algum grau de participação nos rituais ali praticados, por parte dos indígenas do Risco, admitindo-se, mesmo, uma fundação exógena, relembrando o difícil acesso e a visibilidade exclusiva a partir do mar. Por fim, de referir, a cerca de 1.5/2 km para poente da Lapa da Cova, duas estações de ar livre enquadráveis na 1.ª Idade do Ferro, recentemente identificadas no âmbito dos trabalhos para a Carta Arqueológica de Sesimbra – Meia Velha e Casa Nova.


[1] “En definitiva, después de dar continuas vueltas a la cuestión y con los datos que nos ha proporcionado un nuevo análisis de estos botones, donde hemos tenido en cuenta su dispersión, medidas, peso y, fundamentalmente, su asociación con otros elementos aparecidos en el entorno donde fueron hallados, hemos concluido que los mismos podrían haber correspondido a los diferentes conjunto del sistema ponderal que tan bien representados están en el yacimiento” (Celestino Pérez e Zulueta, 2003, p. 67).
[2] Informação pessoal que se agradece, em parte publicada no referido blogue da escavação.

Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Ricardo Soares
2012-2013

Pré-história das zonas húmidas 2011




Conferência Internacional
 - Pré-história das Zonas Húmidas - Paisagens de Sal
A conferência internacional sobre a Pré-história das zonas húmidas, com particular enfoque na exploração de sal, decorrerá em Setúbal, de 19 a 21 de Maio de 2011 e será organizada pelo Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS), em parceria com SIMARSUL.
A decisão de organizar esta conferência resultou do desenvolvimento de um projecto de investigação sobre o Neolítico final/Calcolítico da Ponta da Passadeira, arqueossítio localizado no estuário do Tejo (concelho do Barreiro), dedicado à exploração de sal. Este estabelecimento, semelhante ao de Marismilla, no Guadalquivir, ou ao Possanco, no Sado, permite defender uma divisão socioterritorial do trabalho entre o interior e o litoral da Península Ibérica no final do IV e III milénios BC. 
O estudo da ocupação humana nas margens das zonas húmidas ou simplesmente da sua exploração no quadro dos respectivos territórios de captação de recursos, tem, em Portugal, uma longa tradição nos estuários do Tejo e Sado, onde se focalizou nos concheiros mesolíticos de Muge e Sado, prosseguindo hoje com renovadas equipas das universidades de Lisboa e Algarve e rejuvenescidas problemáticas. 

O MAEDS tem desenvolvido também projectos de investigação no litoral ocidental em áreas que abrangem os paleo-estuários de pequenos cursos de água, pondo em relevo a atractividade desses meios aquáticos, para os humanos, especialmente no Mesolítico e Neolítico. 
Sítios do Neolítico antigo, como Vale Pincel I e Castelo Belinho, situados na Costa Sudoeste portuguesa, têm desencadeado projectos de investigação que incidem sobre áreas de ecótono da orla litoral em que a exploração dos recursos marítimos faz parte da economia e condiciona as próprias estruturas ideológicas e culturais dessas populações. 

Discutir e reflectir sobre as problemáticas da ocupação e da exploração económica dos ecossistemas mais produtivos da biosfera para as nossas latitudes é também projectar no futuro essas potencialidades, recuperando o saber de uma aprendizagem milenar. 

Pretende-se que a Conferência seja um forum onde investigadores que desenvolvem projectos que de alguma forma se relacionam como meios aquáticos se possam encontrar, havendo obviamente lugar para todos os interessados nestas matérias, mesmo que vinculados a outros domínios científicos, e para estudantes. 
A conferência incluirá uma visita à região, que decorrerá no Sábado dia 21 de Maio. 

A comissão organizadora e as instituições apoiantes têm, pois, a honra de o convidar a participar na Conferência Internacional sobre Pré-história das Zonas Húmidas. Paisagens de Sal.

Sado-Meso


O projecto SADO-MESO tem como principal objectivo o estudo das últimas comunidades de caçadores-recolectores e dos processos de implantação dos primeiros grupos agro-pastoris, no baixo vale do Sado. Este projecto contempla diferentes frentes de trabalho, a desenvolver por uma equipa transdisciplinar, nomeadamente: estudo e publicação das antigas colecções arqueológicas, antropológicas e faunísticas, recolhidas por Manuel Heleno, ainda inéditas, depositadas no MNA; realização de intervenções arqueológicas no terreno – já iniciadas no concheiro das Poças de S. Bento e no concheiro do Cabeço do Pez; reconstituição da paleopaisagem e da antiga dinâmica do estuário do Sado, com particular destaque para as vertentes ambiente e recursos.


Mariana Diniz e Pablo Arias