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Sagres, o Promontorium Sacrum - uma petrificada paisagem sagrada

Ricardo Soares | Vila do Bispo | 2014

SOARES, R. (2014) - Sagres, o Promontorium Sacrum: uma petrificada paisagem sagrada. In Revista Santuários, vol. 1, n.º 2. Lisboa: Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, pp. 189-197.

Resumo: O território do Promontório de Sagres (Sagres, Vila do Bispo) manifesta uma remota, intensa e contínua vocação e exploração mágico-religiosa, desde os primórdios da sua ocupação humana até aos nossos dias, realidade que se pretende aqui aflorar, por via de um discurso partilhado e complementar, entre a investigação arqueológica e a leitura histórica, entre os nossos menires e o culto de São Vicente...
Palavras chave: promontório, sacralização, monumentalização, Megalitismo, Sagres.

Abstract: The territory of Promontory Sagres (Sagres, Vila do Bispo, Portugal) expresses a remote, continuous and intense magical-religious vocation and exploration, operating since the beginning of its human occupation until nowadays, reality we intend to emerge throw a shared and complementary speech, between archaeological research and historical interpretation, among our menhirs and the cult of Saint Vincent...
Keywords: promontory, sacralization, monumentalization, Megalithism, Sagres. 



I Congresso Internacional Santuários...

Cultura, Arte, Romarias, Peregrinações, Paisagens 
e Pessoas

8 - 14 setembro 2014 | Alandroal | Portugal


Os SANTUÁRIOS como espaços de devoção em todos os tempos e em todas as culturas é o objecto de análise deste congresso, onde se desafiam todos aqueles que vivem e estudam os santuários: antropólogos, arqueólogos, arquitectos, artistas plásticos e performativos, biólogos, conservadores/restauradores, crentes, 
devotos e peregrinos, curadores, escritores, designers, 
filósofos, gastrónomos, geólogos, historiadores, 
historiadores de arte, médicos, musicólogos
músicos e musicólogos, psicólogos, 
sacerdotes, sociólogos 
e todos aqueles que entendam que o seu trabalho ou a sua devoção tem uma relação com um conceito amplo de santuários. 

Site Oficial

CIEBA: Centro de Investigação em Estudos de Belas-Artes
FBAUL: Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa
congresso.santuarios@gmail.com

Rocha da Mina

Alandroal | Terena | São Pedro

Santuário da Idade do Ferro, "talhado" num expressivo esporão xistoso de vertentes abruptas, com cerca de 12 metros de altura. O rochedo impõe-se altivo na Ribeira de Lucefecit, obrigando-a a contornar a sua dureza, produzindo um meandro a caminho do Guadiana. Na estrutura geológica foram talhados degraus, construídos muros e organizados pavimentos, elementos recorrentes em santuários pré-romanos, alguns dos quais romanizados, sendo comummente interpretados enquanto altares destinados a sacrifícios.

Presumivelmente, o "rochedo (con)sagrado" da Mina terá sido palco de cultos dedicados ao deus pré-romano Endovellicus. Em época romana, esta divindade indígena acaba por integrar o panteão dos deuses hispânicos, concorrendo em importância com o próprio Iupiter. Um dos indícios desta inversa aculturação encontra-se no cume do outeiro de São Miguel da Mota, a cerca de 3 km da Rocha da Mina, onde terá sido edificado um templo romano, em mármore branco, no qual os romanos (e os indígenas romanizados) cultuaram o deus local Endovélico, num verdadeiro fenómeno de "transladação" do culto de um santuário natural para um santuário construído.



No período estival de 2011-2012, o arqueossítio foi alvo de escavações dirigidas pelo arqueólogo Rui Mataloto. Os trabalhos têm vindo a revelar uma área habitacional na plataforma inferior, junto do santuário, com cinco compartimentos estruturados entre si e delimitados, a nascente, pela presença de um afloramento rochoso e/ou de uma muralha. Na plataforma superior (no santuário propriamente dito) escavou-se os restos de estratigrafia existentes sobre a rocha e o interior do "poço". Os vestígios de ocupação remetem para cronologias da 1.ª e 2.ª Idade do Ferro e do Período Romano Republicano. O conjunto artefactual permitiu ainda atestar a absoluta contemporaneidade entre as ocupações documentadas em ambas as plataformas. 

Recorde-se que em 1995 o sítio recebeu as primeiras sondagens arqueológicas dirigidas por Manuel Calado, intervenção que permitiu identificar a zona de carácter habitacional, complementar à área especificamente ritual do santuário. 

Santuário de São Miguel da Mota

Alandroal Nossa Sr.ª da Conceição

Visita guiada pelo Professor Manuel Calado e pelo Professor Moisés Espírito Santo,
no âmbito do 1.º Congresso Internacional 'Santuários'
Alandroal, 12 de Setembro de 2014
Classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1997, processo que define a zona de afectação como “non aedificandi”, este arqueossítio localiza-se num outeiro sobreelevado, perto da ribeira de Lucefecit, tendo sido alvo, desde finais do século XIX, de algumas intervenções arqueológicas que permitiram a recolha de mais de oito centenas de epígrafes latinas e estatuária votiva, entre as ruínas da ermida de São Miguel, cuja planta foi levantada por Gabriel Pereira, em 1889, e os vestígios das estruturas do santuário, cuja fundação está atribuída à primeira centúria da nossa era.

Aparentemente, do santuário apenas restou uma plataforma quadrangular, permanecendo no local vestígios de fragmentos e artefactos marmóreos, sendo que um estudo recente (2002) aponta para uma sobreposição construtiva entre os dois monumentos, com reutilização na ermida dos elementos construtivos/arquitectónicos pertencentes ao santuário. A área circundante aparenta estruturar-se em plataformas, onde foram recuperados materiais cerâmicos consentâneos com uma ocupação romana exclusiva do espaço, estando ausente espólio da Idade do Ferro e autóctone, constatação que refuta a tese de um culto pré- existente.

As últimas investigações topográficas e arqueológicas efectuadas por Amílcar Guerra, Thomas Schattner, Carlos Fabião e Rui Almeida, iniciadas em 2002, no âmbito de um projecto de investigação, permitiram confirmar as observações publicadas por Manuel Calado, em 1993, e confrontar alguns dos pressupostos avançados por Leite de Vasconcelos, a quem se devem os primeiros trabalhos arqueológicos no local, destacando-se o abundante acervo epigráfico e escultórico recolhido em 1890 e nas intervenções posteriores.

A escavação recentemente efectuada permitiu reconhecer que o objectivo a que se propunha Leite de Vasconcelos implicara a demolição da ermida cristã, de forma a recolher todos os elementos nela reaproveitados provenientes do santuário, embora não tenham sido atingidos alguns alicerces, onde os trabalhos recentes vieram a detectar sepulturas, estatuária e aras votivas epigrafadas dedicadas a Endovélico.

Ainda assim, a quantidade de informação fornecida sobretudo pelo acervo epigráfico permite-nos percepcionar a abrangência da divindade e contextualizar o culto. Quanto ao primeiro ponto, os estudos efectuados apontam para uma divindade latina, tradicionalmente relacionada com a presença de uma fonte ou fontes que brotariam no santuário, onde existiria um corpo sacerdotal e funcionários dedicados a receber os ofertantes e a proceder aos sacrifícios e rituais; por outro lado, trata-se de um deus tutelar, vocacionado para atender os pedidos dos seus fiéis, conforme atestam as fórmulas e relevos simbólicos expressos nos registos ali deixados.

José Cardim Ribeiro, no seu texto publicado no extenso catálogo da exposição Religiões da Lusitânia (Ribeiro, 2002, p. 79-90) resume o carácter poderoso desta divindade, praesentissimi et praestantissimi numinis, expressão que Sextus Cocceius Craterus Honorinus, eques romanus utilizou para qualificar o deus.

É portanto uniformemente reconhecida a necessidade de dar continuidade às investigações sobre o santuário de Endovélico, património de excepção que ultrapassa consideravelmente as evidências de qualquer outra divindade “indígena” nas províncias europeias (Encarnação, 1984, p. 801).


Referências bibliográficas

CALADO, M. (1993) - Carta Arqueológica do Alandroal, Alandroal.
ENCARNAÇÃO, J. d’ (1984) - Inscrições Romanas do Conventus Pacensis, Coimbra.
GUERRA, A. et al. (2003) - Novas investigações no santuário de Endovélico (S. Miguel da Mota, Alandroal): a campanha de 2002. Revista Portuguesa de Arqueologia, 6, nº 2, Lisboa, p. 415-479.
PEREIRA, G. (1889) - O Santuário de Endovélico. Revista Archeologica, III (9-10), Lisboa, p. 145-149.
RIBEIRO, J. C. (2002) - Endovellicvs. Religiões da Lusitânia, Loquuntur Saxa, M.N.A., Lisboa, p. 79-90.
VASCONCELOS, J. L. (1890) - O Deus Lusitano Endovélico, I notícia sucinta, Dia, reproduzida em Opúsculos, V, Imprensa Nacional, Lisboa, p. 197-206.




Endovellicvs

«Cabeça de homem barbado onde sobressaem os olhos abertos de forma amendoada, a boca fechada de lábios finos, o cabelo em madeixas cobrindo parte da testa e tapando parcialmente as orelhas. O nariz e a porção inferior da barba estão mutilados. A concepção iconográfica de escultura, realizada segundo modelos clássicos, patente nomeadamente na majestade da cabeça e na sua expressão de bondade, levaram a maioria dos autores a interpretá-la como representação de Endovélico, divindade indígena cultuada em S. Miguel da Mota. No período romano, Endovélico, protector da saúde, foi identificado provavelmente com Serápis ou Esculápio, deuses salutíferos do panteão clássico. O seu culto está atestado por numerosas inscrições epigráficas votivas encontradas nas ruínas do outeiro de S. Miguel da Mota, perto de Terena, no concelho de Alandroal (Alentejo). Trata-se de uma divindade tópica, isto é, protectora da região onde a adoravam (numen loci) e cujo culto estava evidentemente circunscrito a ela.»

Ficha do Catálogo de Escultura Romana do MNA, da autoria de José Luís de Matos.

«O que sabemos hoje desta divindade resulta essencialmente de um conjunto de mais de 80 inscrições latinas recolhidas ao longo de quatrocentos anos no local (São Miguel da Mota - n.a.). De facto, a D. Teodósio de Bragança devemos a primeira recolha epigráfica daí proveniente, remontando ao séc. XVI. André de Resende, Frei Bernardo de Brito e mais recentemente Leite de Vasconcellos e Scarlat Lambrino, mas também muitos outros autores estrangeiros ocuparam-se do estudo desta divindade, sem dúvida um caso único no mundo romano, pela quantidade de testemunhos associados a um único santuário.
O Nome apresenta variantes, por vezes significativas - Endovelicus, Endovellicus, Indovelicus, Enobolicus - de significado ainda muito discutido, sendo as suas mais divulgadas interpretações "muito negro" e "muito bom". Referem-se, em conformidade com isso, os seus poderes de divindade tutelar, mas também de natureza ctónica, que poderia igualmente manifestar-se por oráculos, ou infernal.
Apesar da diversidade e abundância dos vestígios que chegaram até nós, é ainda pouco o que sabemos de um culto que atingiu proporções inéditas; por isso se espera que futuros trabalhos venham contribuir para enriquecer o conhecimento a respeito das religiões antigas e de Endovélico em particular .»

Amílcar Guerra in Carta Arqueológica do Alandroal (Calado, M., 1993, p. 61-62)

Santuário de Nossa Senhora da Boa Nova

Alandroal Terena São Pedro

A Capela da Boa Nova, também conhecida por Santuário de Nossa Senhora da Boa Nova, situa-se em Terena (Alandroal | Évora).

Trata-se de um santuário mariano de grande antiguidade que, segundo alguns autores, terá resultado da cristianização de remotos cultos pagãos, tendo em conta o "epicentro" dos vestígios de culto ao deus pré-romano (indígena) Endovélico que ainda hoje subsistem nas imediações da vila de Terena – o santuário natural da Rocha da Mina e o templo romano de São Miguel da Mota.

As referências históricas a este santuário remontam ao século XIII, uma vez que nas Cantigas de Santa Maria, do Rei Afonso X de Castela, existem algumas composições dedicadas a Santa Maria de Terena.

Erigido no século XIV, este santuário persiste como uma jóia da arquitectura religiosa portuguesa, chegando praticamente intacto aos nossos dias: um templo-fortaleza de planta cruciforme, rara em Portugal, construído em forte cantaria granítica, coroada de ameias muçulmanas. Nas fachadas norte, sul e poente, abrem-se pórticos de arcos ogivais góticos e estreitas frestas medievais, encimados por balcões defensivos com matacães (por onde se jorravam líquidos a ferver, em caso de ataque), decorados com pedras de armas reais portuguesas. O conjunto da fachada principal é ainda enobrecido por um singelo campanário, acrescentado no século XVIII. Originalmente o templo terá sido propriedade do padroado da Ordem de Avis, passando entretanto para a posse dos Condes de Vila Nova (de Portimão).

Contrastando com o pesado aspecto exterior, o interior surpreende-nos pela singeleza das linhas góticas e pelo aspecto amplo da nave, de planta de cruz grega, coberta por abóbadas de arcos quebrados. Os alçados da nave foram decorados no século XIX com um rodapé escaiolado e pinturas murais realizadas pelo pintor Silva Rato, de Borba, representando santos da devoção popular alentejana. O púlpito, de alvenaria, é da mesma época e levanta-se volumoso no transepto da igreja. Os altares colaterais, de São Brás e Santa Catarina, são de talha dourada do século XVIII.

Mais interessante é a decoração do presbitério, cuja abóbada está coberta de pinturas fresquistas representando os reis da primeira dinastia, até D. Afonso IV, e diversas cenas do Apocalipse de São João, obra encomendada pelos Condes de Vila Nova, Comendadores da Ordem de Avis. O retábulo, do século XVI, conserva entalhados belíssimas tábuas de estilo maneirista flamenguizante, representando a Anunciação e Assunção da Virgem, o Presépio, o Pentecostes e a Ressurreição de Cristo. Ao centro, em maquineta dourada , expõe-se a veneranda imagem de Nossa Senhora da Boa Nova, de roca e com o Menino Jesus ao colo. Nesta capela conservou-se acesa, durante séculos, a lâmpada votiva dos Duques de Bragança. Neste espaço, subsistem ainda algumas campas antigas e uma ara votiva ao deus Endonvélico, proveniente do templo de São Miguel da Mota (ver imagens).

A origem da invocação à Senhora da Boa Nova parece estar ligada à lenda da Formosíssima Maria (Dona Maria, Rainha de Castela), filha do Rei D. Afonso IV de Portugal, que se deslocou à corte portuguesa para solicitar a seu pai que auxiliasse o marido na Batalha do Salado. Reza a lenda que a Rainha se encontrava neste local, nas imediações de Terena, quando recebeu a boa notícia, tendo aí nascido a invocação “Boa Nova”. O culto prevalece bastante vivo, sendo este santuário palco de uma grande romaria que se celebra no primeiro fim de semana posterior à Páscoa. A importância desta romaria na região é de tal importância que a Segunda-Feira de Pascoela (dia principal da festa) é o feriado municipal do Concelho do Alandroal. O Santuário de Nossa Senhora da Boa Nova foi classificado Monumento Nacional em 1910.



Visita com o Professor Moisés Espírito Santo,
no âmbito do 1.º Congresso Internacional 'Santuários'
Alandroal, 12 de Setembro de 2014
Sala dos ex-votos