Parque Arqueológico do Vale do Côa/Ribeira de Piscos



O vale do rio Côa constitui um local único no mundo por apresentar manifestações artísticas de ar livre inseríveis em diversos momentos da Pré-História e da História, nomeadamente o maior conjunto de figurações paleolíticas de ar livre até hoje conhecidas.



Embora seja provável que o prosseguimento da investigação venha a revelar outros ainda desconhecidos, os conjuntos de gravuras e pinturas rupestres mais importantes até agora identificados no vale do Côa são os de Canada do Inferno, Ribeira de Piscos, Penascosa, Quinta da Barca, Fariseu e Faia. Estes núcleos apresentam gravuras de animais datáveis do Paleolítico e, na Ribeira de Piscos, uma figura humana da mesma época. No sítio da Faia existem pinturas de animais e seres humanos do Neolítico ou Calcolítico e em Orgal há rochas com gravuras da mesma época e também da Idade do Ferro. Na Canada do Inferno há ainda representações religiosas e populares recentes, executadas entre o século XVII e os anos 50 do século XX. Estes núcleos situam-se todos eles junto às margens do rio Côa ou dos seus afluentes, em áreas de afloramentos xistosos, à excepção da Faia, que se localiza numa zona granítica.
Existem ainda diversos núcleos de gravuras em pequenos vales da margem esquerda do Douro. São exemplo o do Vale da Casa, já estudado no início da década de 80, antes da sua submersão pela construção da barragem do Pocinho, e ainda os de Vermelhosa, Vale de Cabrões, Vale de José Esteves e Vale do Forno. Nestes conjuntos estão particularmente bem representados motivos filiformes da Idade do Ferro, nomeadamente figuras de cavaleiros com cabeças de pássaros empunhando lanças e espadas. Nalguns, nomeadamente na Vermelhosa e em Vale de Cabrões, têm também sido encontradas gravuras filiformes paleolíticas.
Quase desde que nasce, na Serra da Malcata, perto do Sabugal, até que desagua no Douro, alguns km a montante do Pocinho, o rio Côa corre, de sul para norte, ao longo de um vale extenso e profundamente encaixado. Na sua parte final, já perto da foz, a respectiva bacia hidrográfica está limitada a nascente pela ribeira de Aguiar e a poente pelas ribeiras de Centieira e do Vale da Vila. Na margem direita, o relevo atinge altitudes entre os 400 e os 800 metros; na margem oposta, esses valores são menores, oscilando entre os 100 e os 500 metros.
A foz da ribeira de Piscos marca a transição entre as encostas suaves por entre as quais o Côa flui desde a Quinta da Barca e o vale profundamente encaixado que percorre até à confluência com o Douro.

Um elemento típico da paisagem são as formas rochosas - de xisto no curso do Côa entre Santa Comba e o Douro, de granito mais para montante - que o coberto vegetal rasteiro ou aberto facilmente deixa entrever. A erosão actua sobre essas rochas de maneira distinta. As acumulações espaçadas de grandes blocos arredondados são características dos planaltos graníticos, cortados por linhas de água muito encaixadas. Nas áreas xistosas, são comuns as grandes superfícies escarpadas verticais que, nos fundos, alternam por vezes com amplas praias fluviais.
Menos numerosas do que na Canada do Inferno, as figuras aqui encontradas contam-se entre as mais conhecidas gravuras do Côa. No fundo do vale, junto à ribeira, está o painel da cena que representa dois cavalos de cabeça enlaçada; numa rocha ao lado está uma figura humana sobreposta a um auroque desenhado em gravado estriado (contorno gravado por incisão fina, cabeça e corpo preenchidos com numerosos traços de técnica idêntica). A cota mais elevada encontra-se ainda outro painel de gravuras filiformes representando quatro cavalos de cronologia paleolítica representados com grande realismo, num estilo que evoca a arte do final do Paleolítico superior.


Filiformes

As duas fases da gravação: 1.ª picotado/picado; 2.ª polimento do traçado
Pintura antropomórfica - "orante"
O "Homem de Piscos" com glande ejaculadora
Os critérios que permitiram datar este vasto conjunto artístico foram vários. No caso do Paleolítico superior (que, em Portugal, corresponde ao período compreendido entre cerca de 30 mil e cerca de 10 mil anos antes do presente), recorreu-se em primeiro lugar à identificação das espécies figuradas. O cavalo e o auroque (o antepassado selvagem dos actuais bois domésticos), omnipresentes no Côa, são também as espécies muito importante na arte parietal paleolítica das grutas franco-cantábricas. O outro animal mais frequentemente representado nas grandes gravuras picotadas do Côa é a cabra montês, facilmente reconhecível pelos seus cornos de ponta torcida, por vezes representados sob a forma de um S alongado. Actualmente, a distribuição da cabra montês está restringida às zonas de maior altitude do interior da Península Ibérica, embora, em Portugal, fosse muito comum no Paleolítico superior, devido ao clima mais frio e seco então vigente, que propiciou o desenvolvimento nas regiões montanhosas de baixa altitude das paisagens abertas de mato rasteiro crescendo entre maciços de rochas escarpadas que constituem o seu habitat preferido.
As espécies da fauna eurosiberiana adaptadas ao frio, como a rena, o bisonte, o rinoceronte lanígero ou o mamute, não se encontram na arte do Côa; porém, esse facto não é de estranhar, pois, ao contrário do que se passa com o cavalo, o auroque e a cabra montês, também não foram encontrados restos dessas espécies em nenhuma das jazidas arqueológicas do Paleolítico superior conhecidas em Portugal e no sul de Espanha.

Parque Arqueológico do Vale do Côa/Penascosa

Pouco mais de um quilómetro para montante, mas na margem oposta, situa-se o sítio da Penascosa. Nesta zona de vale mais aberto o rio forma uma praia relativamente extensa, cujas areias poderão estar a tapar mais rochas gravadas para além das que já são conhecidas. A topografia do local é propícia ao estabelecimento de acampamentos, e deve ter sido em tal contexto de habitat que tiveram lugar as actividades artísticas aqui documentadas. Porém, as escavações realizadas revelaram a ausência de níveis arqueológicos que comprovassem tais ocupações, os quais devem ter sido erodidos no início do Holocénico (o período geológico em que vivemos actualmente). Os depósitos fluviais actualmente observáveis no fundo do vale são relativamente recentes, a sua parte superior tendo sido acumulada apenas no decurso do último milénio.
Boa parte dos suportes das gravuras parece estar num estado adiantado de fragmentação. Uma vez que há diversos exemplos de gravuras desenhadas de modo a aproveitar os espaços definidos pelos blocos fragmentados, pode deduzir-se que seria já esse o aspecto das rochas no Paleolítico, quando foram gravadas. Tal como na Canada do Inferno, todas as figuras conhecidas foram feitas sobre as superfícies verticais criadas pela clivagem dos xistos. Para além dos painéis mais conhecidos, com gravuras executadas por picotagem e por abrasão, foram recentemente descobertas algumas rochas profusamente gravadas com motivos filiformes.

Embora a representação de cavalos e cabras no mesmo painel pareça ser a forma mais frequente de associação entre diferentes espécies animais, a associação cavalo-auroque, típica da arte paleolítica, está igualmente bem documentada. Entre os motivos representados contam-se também alguns signos e peixes. Particularmente interessante é o facto de serem comuns as representações em que o artista procurou transmitir a ideia de movimento. Um dos melhores exemplos disso é uma possível cena de acasalamento em que uma égua é coberta por um cavalo cujas três cabeças procuram, tal como se faz na moderna banda desenhada, transmitir a ideia de um movimento descendente do pescoço.

Hipogeus da Quinta do Anjo

Palmela | Quinta do Anjo
As quatro grutas artificiais da Quinta do Anjo, também conhecidas por Grutas do Casal do Pardo ou Covas da Moura, foram utilizadas como necrópole entre o Neolítico Final e o Calcolítico. A planta dos dois monumentos melhor conservados apresenta câmara funerária circular abobadada, com pequena abertura/clarabóia na cúpula, ante-câmara ovalada e corredor rectilíneo. As primeiras investigações arqueológicas devem-se a Carlos Ribeiro (1876) e Inácio Marques da Costa (1907).
As Grutas III e IV foram praticamente destruídas pela exploração de uma pedreira durante o séc. XIX.
Clarabóia e câmara funerária da gruta I

Antecâmara da gruta I


Antecâmara da gruta II



Interior da câmara funerária da gruta II

Clarabóia da gruta II
Homenagem a Carlos Ribeiro
Dr. Carlos Tavares da Silva em visita guiada ao local, por ocasião dos 150 anos sobre a data de nascimento de António Inácio Marques da Costa - 23 de Junho de 2007
Outras visitas...

Bibliografia consultada:
SOARES, Joaquina (2003) – Os hipogeus Pré-Históricos da Quinta do Anjo (Palmela) e as economias do simbólico. Setúbal: Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal/Assembleia Distrital de Setúbal.