Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra


Extracto da Folha 464 da CMP esc. 1:25000

Topografia do Outeiro Redondo (Google Earth)

Povoado fortificado de altura, implantado na mais baixa elevação de uma linha de três cabeços orientados de Nordeste para Sudoeste, coroada pelo castelo de Sesimbra. As óptimas condições naturais de defesa do Outeiro Redondo são bem visíveis quando circulamos na estrada que desce à vila de Sesimbra e que contorna a elevação e as suas imponentes escarpas de calcários jurássicos, brancos e duros (213 metros, no ponto mais alto - CMP).

Domina todo o vale diapírico e baía de Sesimbra, entre a praia da Califórnia e o Forte do Cavalo, contactado visualmente o povoado do Zambujal, seu contemporâneo (a Noroeste). A Norte e Este é praticamente inexpugnável, dispensando estruturas defensivas, sendo o acesso ao sítio apenas possível pelo recorte orográfico entre o cabeço contíguo (o cabeço do Moinho da Forca, a Sudoeste), por seu turno contíguo ao morro do castelo. É neste ponto que se definem os derrubes de muralha e algumas estruturas habitacionais, entretanto alvo de intervenções arqueológicas de escavação sob a direcção de João Luís Cardoso (2005-2008).


Entre 5 de Agosto e 24 de Setembro de 1966, o sítio foi alvo de algumas sondagens, trabalhos dirigidos pelo arquitecto Gustavo Marques e cujos resultados, segundo João Luís Cardoso, nunca terão sido publicados pelo autor (Cardoso, 2009). Contudo, Eduardo da Cunha Serrão descreve-nos, na sua Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra, um elenco de materiais provenientes do Outeiro Redondo (Serrão, 1994). Cunha Serrão remete-nos para um texto de Gustavo Marques (Serrão, 1994, p. 62-63, Apud Marques, 1967), o qual não tive oportunidade de consultar directamente. Do referido elenco de materiais destacam-se: «polidores incompletos e um grande fragmento de mó manuária» de granito; «fragmentos de machados polidos» de diorito; «lascas atípicas» de quartzito; «duas pontas de seta mitriformes e uma tipo Torre Eiffel, bem como fragmentos de outras» de sílex; «fragmentos de lâminas prismáticas; uma lâmina ovóide fragmentada e um raspador buril», também em sílex. Cerâmica «não decorada, alguns fragmentos com perfurações para suspensão» e pratos; copos com decoração tipo “folha de acácia”, canelados, «em xadrez e campaniforme». De acrescentar, ainda, «fragmentos de peso de tear» e «ossos de animais e conchas de moluscos». Segundo Cunha Serrão, Gustavo Marques «propõe três épocas de ocupação: 1.ª – Eneolítica Pré-campaniforme; 2.ª Campaniforme; 3.ª Horizonte “folha de acácia”» (ob. cit., p. 62-63).

Cerâmicas do Outeiro Redondo (seg. Serrão, 1994, p. 63, Apud Marques, 1967)

Segundo Carlos Tavares da Silva, o registo material do Outeiro Redondo sugere um inaugural período de ocupação situado cronologicamente por volta de 2500/2400 a.C. (contemporâneo da 1.ª fase do Pedrão), cronologia fixado pela ocorrência de alguns fragmentos de copos canelados e de uma seta mitriforme (Silva e Soares, 1986).

Nos últimos anos a jazida voltou a ser objecto de investigação arqueológica, desta feita em trabalhos de prospecção e escavação conduzidos por João Luís Cardoso, cujos resultados ainda aguardam publicação, importando referir, contudo, a breve cartela publicada pelo autor na nova Carta Arqueológica de Sesimbra – “Outeiro Redondo” (Cardoso, 2009). O investigador promoveu um estudo de espólio em 2004 e analisou a informação contida num extracto de caderno de campo de O. da Veiga Ferreira, datado de 22 de Dezembro de 1967, onde são descritos «bastiões adossados a muralha curvilínea» (Cardoso, 2000, p. 57). Em 2005 iniciou um «vasto programa anual de escavações» que têm decorrido até à actualidade (Cardoso, 2009, p. 154).

João Luís Cardoso adianta, pela primeira vez, alguns resultados das suas recentes investigações: uma potência estratigráfica máxima de cerca de 1,20 metros, que evidencia uma «permanência de ocupação humana durante quase todo o III milénio a.C.», entre o Calcolítico inicial da Estremadura (primeiros séculos do III milénio a.C.) e o Calcolítico pleno (Campaniforme Internacional) – entre cerca de 2800 e 2200 a.C. (cronologia aferida com base em datações radiocarbónicas). Os níveis inferiores registam «numerosos fragmentos de taças com decoração de finas caneluras paralelas, constituindo bandas simples abaixo do bordo, acompanhadas, entre outros, por recipientes de paredes direitas e fundos planos ou ligeiramente convexos (“copos”, na nomenclatura arqueológica)». Nos níveis superiores estas produções cerâmicas vão ser substituídas por recipientes de paredes direitas e recipientes esféricos (vasos de provisões), decorados com motivos em “folha de acácia” e “crucíferos”. A estratigrafia calcolítica é encerrada por «escassos fragmentos de vasos campaniformes do grupo Internacional» – Calcolítico pleno (ob. cit., p. 154).

No que respeita à metalurgia do Outeiro Redondo, esta encontra-se bem documentada desde o Calcolítico inicial, sendo a produção local aparentemente confirmada pela ocorrência de um pequeno lingote que depois de analisado nos remete para uma provável origem no Alto-Alentejo.

Por seu turno, a cultura lítica é atestada pela presença de machados e enxós de pedra polida em anfibolitos (também originários daquele quadrante alentejano), além de «um belo conjunto de pontas de seta, raspadores, de lâminas e de elementos de talhe bifacial, cujo brilho, conservado ao longo do gume, indica a sua utilização como elementos de foices» (ob. cit., p. 154). Pelo seu aspecto, o sílex aparenta ter origem, na sua maior porção, «nos afloramentos cretácicos situados a norte do Tejo». Além dos referidos elementos de foice, as práticas agrícolas encontram-se bem documentadas pela recolha de diversos elementos de mós manuais (dormentes e moventes) que, segundo o autor, também poderiam ter servido para «farinar bolotas». A tecelagem também surge comprovada pela ocorrência de «numerosas placas de barro perfuradas», interpretadas como pesos de primitivos teares (ob. cit., p. 154-155).

Pontas de seta em sílex
Lapa do Bugio e Outeiro Redondo
em exposição no Museu Municipal de Sesimbra
(foto de R. Soares)

João Luís Cardoso também descreve os vestígios estruturais que identificou, referindo-se a duas ordens de muralhas: a primeira a Sul, contornando o topo da elevação, e um segundo pano de muralha arqueado, a Este, «avançado relativamente à muralha, que lhe passa por detrás, que defenderia uma entrada no recinto, constituindo deste modo uma espécie de barbacã» (ob. cit., p. 155). A muralha que se associa a esta “barbacã” desenvolve-se na direcção Este-Oeste, atingindo, na extremidade Ocidental, a sua máxima expressão. Nesta localização, para fazer face ao acentuado declive, foi edificado, com grandes blocos deslocados do próprio cabeço, «um dispositivo de muros adossados longitudinalmente, que garantiam estabilidade à estrutura» (ob. cit., p. 155). A fase mais antiga do complexo defensivo remonta ao Calcolítico inicial, sendo que a fase construtiva mais recente reporta-se aos finais do Calcolítico pleno.

As estruturas habitacionais são mais discretas, destacando-se uma estrutura de combustão («lareira estruturada»), utilizada durante o Calcolítico inicial. De referir, ainda, uma série de muros radiais em relação à muralha, perpendiculares ao seu lado interno, que compartimentaram as estruturas domésticas durante o Calcolítico pleno (ob. cit., p. 155). Segundo Manuel Calado, «a área delimitada pelo potente sistema defensivo é muito escassa, pelo que estamos perante aquilo que se poderia designar, com alguma liberdade analógica, como “casal fortificado”» (Calado et. al., 2009, p. 26).

Nas visitas que realizei ao local verifiquei, em toda a área do povoado, sobretudo na área intervencionada, numerosos fragmentos de cerâmica manual, em particular alguns bordos de taça espessados, de lábio plano; fragmentos de cerâmica canelada; um fragmento cerâmico com perfuração de suspensão; artefactos de sílex e chert; e dormentes de mós manuais em arenito, integrando os vestígios estruturais. Por outro lado, actividades como a criação de gado e a recolecção marisqueira são fáceis de constatar na observação de superfície: diversos restos osteológicos (ovi-caprídeos) e abundantes e singularmente diversificados restos malacológicos: lapa (Patella vulgata e Patella aspera?), mexilhão (Mytilus edulis), ostra (Crassostrea angulata), búzio, e outros fragmentos de conchas de bivalves, de grande porte e espessura, que não me arrisco a identificar.


Referências Bibliográficas:

CALADO, M.; GONÇALVES, L.; FRANCISCO, R.; ALVIM, P.; ROCHA, L.; FERNANDES, R. (2009) – O Tempo do Risco. Carta Arqueológica de Sesimbra. Sesimbra: Câmara Municipal.
CARDOSO, J. L. (2009) – Outeiro Redondo. O Tempo do Risco. Carta Arqueológica de Sesimbra. Sesimbra: Câmara Municipal, p. 154-155.
MARQUES, G. (1967) – Castro eneolítico de Sesimbra. Boletim do Centro de Estudos do Museu Arqueológico de Sesimbra. Sesimbra: 1:1 e 2, p. 10-21.

SERRÃO, E. C. (1994) – Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra (desde o Vilafranquiano Mádio até 1200 d.C.). Sesimbra: Câmara Municipal de Sesimbra.
SILVA, C. T.; SOARES, J. (1986) – Arqueologia da Arrábida. Parques Naturais. Lisboa: Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, 15.


João Luís Cardoso, Joaquina Soares, Manuel Calado e Carlos Tavares da Silva
em visita ao Outeiro Redondo, em 16 de Novembro de 2007, por ocasião do II Encontro de Arqueologia da Arrábida

(foto de R. Soares)