
De acordo com o mesmo autor, nos finais do século XIX ainda era possível encontrar os restos das estruturas do recinto amuralhado, com uma cerca circunscrevendo toda a escarpa. O autor descreve duas torres, uma no topo Sul da plataforma que encima o monte escarpado, com 9 x 6 metros de lado, e outra mais pequena a 30 metros para Leste da primeira. Também refere uma cisterna de grandes dimensões, com 8,40 x 6,30 metros de lado, com abóbadas de alvenaria e paredes internas revestidas a estuque vermelho (1). Por fim, aponta a Oeste, no sopé do monte, um conjunto de “matmoras” interpretadas como silos (Rasteiro, 1897). Isabel Cristina Fernandes, por seu turno, descreve os restos estruturais de uma pequena alcáçova em crescente ruína, ainda conservando vestígios do seu revestimento avermelhado. 

Com vestígios de ocupação romana, islâmica e cristã, o hisn de Coina implanta-se num monte escarpado, paralelo ao Cabeço dos Caracois, contornado pelas ribeiras do Alambre e de Coina, de difícil acesso a Norte, Leste e Oeste. Reveste-se de uma natural importância estratégica, não só pela facilidade de articulação em acções de defesa entre os Castelos de Palmela e Sesimbra, mas também na defesa contra forças que através do Portinho da Arrábida quisessem penetrar na península da Arrábida. Uma implantação geo-estratégica que pode ter justificado um ribat destruído aquando dos recontros entre muçulmanos e cristãos em 1191, nunca mais reconstruído, embora seja mencionado no testamento de D. Sancho I (Rasteiro, 1897).
in FERNANDES, Isabel Cristina Ferreira (2004) – O Castelo de Palmela do domínio islâmico ao cristão
Importa aqui referir que no decorrer da nossa investigação in loco verificámos, em todas a cintura do cabeço de Coina-a-Velha, uma diversificada e sugestiva concentração de residuais topónimos históricos: o caminho que nos leva até ao arqueossítio do Casal do Bispo tem no seu início uma placa de mármore com a inscrição “Estrada dos Romanos”; no sopé da vertente Nordeste do cabeço encontramos a “Quinta do Lapidário”; na vertente Sul, na Aldeia dos Topos, acrescentam-se as quintas da “Ermida”, “Abades” e “Santa Madalena”.







Numa visita que intentamos ao local (2) confirmámos as nossas suspeitas aferidas a partir da imagem de Google Earth: actualmente o arqueossítio encontra-se em parte coberto por uma densa vegetação, praticamente destruído sob o edificado habitacional em expansão e remodelação desde o século XVI. Falamos de uma grande casa “acastelada”, com mirantes e alpendres, bem visível da estrada Aldeia-de-Irmãos/Portinho da Arrábida, no alto do cabeço contornado pela Ribeira do Alambre.
Ainda acerca do sítio de Coina-a-Velha, Joaquim Rasteiro relata uma curiosa e reincidente lenda que conta que os mouros deixaram três casas subterrâneas: uma cheia de armas, já aberta (a cisterna), outra cheia de ouro e outra com peste, pelo que ninguém se atreveu a procurar o ouro com receio de encontrar a peste (Rasteiro, 1897).
Segundo Jorge Alarcão, a via romana que ligava Olisipo a Emerita Augusta passava primeiro por Equabona e Caetobriga – «a via partia provavelmente do Seixal»; «Equabona, distante 12 milhas de Olisipo, corresponde possivelmente a Coina-a-Velha», uma das aldeias da freguesia de S. Lourenço. Joaquim Rasteiro, por seu turno, transcreve uma nota de José Leite de Vasconcellos onde se lê: «A palavra Coina representa ainda, quanto a mim, a antiga Equabona, designação de uma conhecida cidade da Lusitânia. A série das formas por que a palavra primitiva passou até hoje poderá ter sido a seguinte: Equábona>(E)quab(o)na>Cauna>Couna>Colna. A pronúncia popular actual supponho que é Côina, e não Cóina, que é litteraria».
(1) «A cor vermelha resulta da aplicação de um tratamento contra a eutropização das águas, à base de óxido de ferro, resina e argilas vermelhas.» (Fernandes, 2004).
(2) Em meados de Maio de 2009 tentámos visitar o Castelo de Coina-a-Velha, visto o arqueossítio se encontrar no interior de uma propriedade privada procuramos o proprietário que rudemente nos expulsou sem qualquer abertura ao diálogo. Ainda assim conseguimos identificar os restos de uma estrutura murada associada a cerâmicas de construção de aspecto grosseiro e antigo.
Outros arqueossítios islâmicos da Arrábida (ou não!)
Cruzando a leitura das paisagens, os indicadores toponímicos, a informação histórica e os dados da Arqueologia, é possível confirmar uma intensa ocupação rural islâmica predominante a Sul da península da Arrábida, “intramuros” da cintura defensiva delineada pelos husūn (circunscrições defensivas, administrativas e fiscais) de Palmela, Coina, Sesimbra e Almada. Além destes castelos, o sistema defensivo era reforçado pelo entrecruzamento de ângulos territoriais de defesa e comunicação estabelecidos com a guarnição de ribats e atalaias.
Importa referir que no elenco dos sítios que sugerimos ressaltam alguns que não constituem verdadeiros arqueossítios, mas que pela sua implantação e indicadores toponímicos reúnem fortes probabilidades de ocupação islâmica, damos como exemplo o Convento da Arrábida; e outros, que não tendo seguros vestígios de ocupação islâmica entendemos merecerem a sua inclusão e desmistificação (exemplo do “Castelo dos Mouros”).
Legenda: - Castelo (hisn) de Palmela
- Palmela – centro histórico
- Alcaria do Alto da Queimada – Serra do Louro
- Cumeada da Serra de São Luís
- Setúbal – área urbana
- Mouguelas
- Outão
- Praia dos Coelhos/Galapos
- Creiro
- Convento da Arrábida
- “Castelo dos Mouros”
- Castelo (hisn) de Coina-a-Velha
- Castelo (hisn) de Sesimbra
- Vale da Vitória – Terras do Risco
- Lapa do Fumo – Serra dos Pinheirinhos
- Azóia
- Ermida da Memória – Cabo Espichel
Por Miguel Amigo & Ricardo Soares
Referências bibliográficas:
- ALARCÃO, Jorge de (1988) – O Domínio Romano em Portugal – Pub. Europa-América, Mem Martins.
- ALVES, Adalberto (2007) – Portugal e o Islão Iniciático – Ésquilo, Lisboa.
- CATARINO, Helena Maria Gomes (2000) – Topónimos Arrábida e a Serra da Arrábida – Sesimbra Cultural, Ano 1, nº 1, Câmara Municipal de Sesimbra.
- COELHO, António Borges (1972) – Portugal na Espanha Árabe – vol. I, ed. Seara Nova, Lisboa.
- FERNANDES, Isabel Cristina Ferreira (2004) – O Castelo de Palmela do domínio islâmico ao cristão – Ed. Colibri, Câmara Municipal de Palmela.
- RASTEIRO, Joaquim (1897) – Notícias archeologicas da Peninsula da Arrábida – O Arqueólogo Português, vol. III, Lisboa.
- RIBEIRO, Orlando (2004) – A Arrábida. Esboço Geográfico – Fundação Oriente, Câmara Municipal de Sesimbra.
- SILVA, Carlos Manuel Lindo Tavares da; SOARES, Joaquina (1986) – Arqueologia da Arrábida – Parques Naturais. Lisboa: Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza.
Esquemas de Google Earth de Coina-a-Velha criados por António Carvalho (obrigado!)